segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sobre Maurice Blanchot*


Maurice Blanchot

Tem sido referida a influência de Blanchot na minha obra. Reconheço que há grandes afinidades entre o discurso dele e o meu, no modo como ambos nos relacionamos com a escrita, nessa ideia de que a escrita é uma aventura infinita que repousa sobre nada. Tudo isso nos é comum. Mas não tenho o sentimento de o ter bebido directamente no próprio Blanchot. Toda essa nova reflexão sobre a esssência da escrita, sobre a essência do poético, recebi-a originalmente do Paul Valéry, quando andava ainda a fazer os meus estudos. Mas a grande reflexão vem já de Mallarmé e da sua ideia de livro infinito. É o pai de Valéry e de todos os outros. Do Blanchot, li muito cedo o livro Lautréamont et Sade [1949]. Só depois, quando de algum modo já formara o meu próprio espaço crítico, é que li outras obras, sempre com muito interesse. É um autor fascinante. Talvez tenhamos referências e fontes semelhantes. Como ele, gosto muito dessa ideia de criação como qualquer coisa sublime e inútil. Todas essas intuições, eu aprofundei-as no Pessoa. De uma maneira ou de outra, elas estão presentes na sua prática poética e na sua visão poética. Em Blanchot, admiro também essa personagem que não se expõe, que não existe. Só há duas fotografias dele, e uma é dos anos vinte, quando ainda ninguém o conhecia. É um pouco como o Julien Gracq, mas em função de outro tipo de atitude. 

Maurice Blanchot

 * Maurice Blanchot (1907-2003) é, sem dúvida, um dos escritores e pensadores mais relevantes do século passado. Por ocasião da sua morte, o jornal Público pediu a Eduardo Lourenço um breve depoimento sobre o autor de L'Entretien Infini que acompanhou a notícia do falecimento do escritor natural de Quain (Saône-et-Loire, França) na edição de 25 de Fevereiro de 2003 (p. 37). As fotos que agora ilustram a recuperação desse texto (que na altura foi intitulado "A criação como algo inútil e sublime") são duas das raras imagens do escritor francês a que Eduardo Lourenço faz referência. Em contrapartida, sobre Blanchot veja-se este interessantíssimo documentário de autoria de Hugo Santiago: https://www.youtube.com/watch?v=F32bSMK1iNA#t=33