quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Uma prisão que nós escolhemos por essa escolha se torna a nossa casa

Foto Ler Eduardo Lourenço
O que têm em comum nomes tão diversificados como Miguel Esteves Cardoso e Frei Bento Domingues? Ou Vasco Pulido Valente e Maria Teresa Horta? Pedro Adão e Silva e José Gil? João Carlos Espada e Seyla Benhabib? Fernando Catroga e José Loureiro dos Santos? Gilles Lipovetsky e Vital Moreira, entre tantos outros? Todos eles vão participar nos Terceiros Encontros da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a realizar nos próximos dias 3 e 4, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Esta edição dos “Encontros” chama-se À procura da Liberdade, procurando reflectir alargadamente sobre questões correlacionadas, a saber: Qual é a sua ideia de liberdade? Os portugueses são livres? A liberdade tem futuro? Neste contexto (do qual se pode obter mais informações em http://www.ffms.pt/presente-no-futuro/863/a-procura-da-liberdade), imediatamente salta à vista a necessidade do ensaísta Eduardo Lourenço, apesar dos seus noventa e um anos, estar presente no grande debate. Ora, os organizadores dão o devido destaque ao autor do extraordinário ensaio “A liberdade como realidade situada” publicado originalmente em 1951 (!) e integrado no primeiro volume das Obras Completas, a editar pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Por falar nesta edição, Ler Eduardo Lourenço, recém-chegado de umas longas e repousantes férias, pode anunciar um dos outros grandes momentos da rentrée de 2014. Trata-se da chegada às livrarias, em poucas semanas, de Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista e Outros Ensaios, o tão aguardado segundo tomo deste projecto científico. Organizando-se em torno do livro homónimo, publicado pela primeira vez em 1968 e sabendo-se a importância que a poesia tem na configuração intelectual de Eduardo Lourenço e, ao mesmo tempo, como (quer se queira, quer não) o chamado neo-realismo marcou indelevelmente a paisagem literária portuguesa do século passado, é desnecessário voltar a referir o significado do número vinte da colecção justamente “Poesia e Ensaio” da Editora Ulisseia. No entanto, esta edição de 2014, coordenada cientificamente por aquele que é, sem  dúvida, um dos maiores especialistas do neo-realismo, António Pedro Pita, que, registe-se, trabalhou em estreita articulação com o próprio Eduardo Lourenço, apresenta um alcance muito mais vasto. 
Assim, reunem-se textos de Eduardo Lourenço (e não só, como em breve se verá) sobre nomes ligados ao neo-realismo (e essa é a primeira questão: o que se entende por “neo-realismo?), como Fernando Namora, Mário Dionísio, Álvaro Cunhal, Mário Sacramento e Luís de Albuquerque (a estes dois últimos foi dedicado o original Sentido e Forma), entre muitos outros. Estes textos, muitos deles dispersos, alguns inéditos até, são quase todos desconhecidos do leitor comum de Eduardo Lourenço e ajudarão, decerto, a compreender melhor as relações deste com um movimento a que estiveram associados importantes Amigos dos seus tempos de Coimbra. Sobre eles e acerca da relação que considerou, porventura não sem equívocos, com o que hoje se entende por marxismo (designação interdita à época), ecoam ainda hoje estas palavras de Eduardo Lourenço: «Mesmo que se admita que a Ideologia comporta consequências que colidem com uma concepção mais bem fundada da liberdade espiritual, o simples facto de ela ter sido eleita por aqueles que ninguém obrigava a perfilhá-la os tornaria livres. Uma prisão que nós escolhemos por essa escolha se torna a nossa casa». 
Sim, porque a experiência do antigo proprietário da revista Vértice (o próprio Eduardo Lourenço, para quem não saiba ou disso se tenha esquecido), à entrada das casas dos seus amigos neo-realistas, começou por ser, antes de mais, uma questão sobre o sentido da liberdade. Assunto nada mais oportuno, portanto.

Eduardo Lourenço