quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Jacinto do Prado Coelho: mais do que um Prémio

A notícia, divulgada ontem, de que o Prémio Jacinto do Prado Coelho (uma iniciativa da Associação Portuguesa dos Críticos Literários) foi atribuído ao livro de Eduardo Lourenço Tempo da Música, Música de Tempo não pode deixar de encher de alegria todos os amigos do ensaísta e da sua obra. Dir-se-á que se trata apenas de mais um prémio que distingue um autor a quem não têm faltado, sobretudo nos últimos anos, inúmeras consagrações e homenagens. Esta ideia é, de certo modo, verdadeira. Mas também é exacto que o júri deste prémio, composto por Clara Rocha, Maria João Reynaud e Teresa Martins Marques, ao distinguir Tempo da Música, Música de Tempo, não se limitou a premiar Eduardo Lourenço. Como se sabe, este livro, editado no ano passado, colige uma série de anotações, até então inéditas, que o ensaísta foi fazendo ao longo de décadas. Esses apontamentos manuscritos foram identificados por João Nuno Alçada no espólio do ensaísta e, em seguida, minuciosamente editados por Barbara Aniello, daí resultando um volume luminoso e  singular que, sem a preciosa colaboração destes investigadores e amigos de Eduardo Lourenço, provavelmente nunca teria sido dado à estampa.

Jacinto do Prado Coelho

Este prémio reveste-se ainda de um significado especial, porque Jacinto do Prado Coelho constitui um dos principais interlocutores de Eduardo Lourenço ao longo dos anos, designadamente no que se refere às interpretações (que, muitas vezes, coincidiram apenas no reconhecimento da grandeza do poeta) que ambos fizeram de Fernando Pessoa. Relembre-se que Pessoa Revisitado constitui também, e em parte bastante significativa, um diálogo, rigoroso e nunca complacente, com a obra de Jacinto do Prado Coelho Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. De resto, Prado Coelho, em novas edições deste livro seminal (que, recorde-se, foi, entre nós, a primeira investigação universitária sobre Pessoa), irá retomar esse debate, respondendo explicitamente a algumas teses de Eduardo Lourenço.


Por outro lado, também na imprensa lisboeta a discussão viva (embora sempre amigável) entre os dois ocorreu. Assim, em 12 de Agosto de 1971, no “Suplemento Literário” do Diário de Lisboa Eduardo Lourenço publica o artigo “Kierkegaard e Pessoa ou a comunicação indirecta”, texto que vem datado do seguinte modo: Hamburgo, Montpellier (1954-56). Tratando-se, como de facto se trata, de uma desenvolvida leitura das teses de Jacinto do Prado Coelho, não espanta que, cerca de um mês depois, este responda a Eduardo Lourenço, desta vez no Suplemento “Cultura e Arte” de A Capital

É uma carta, redigida em 16 de Agosto na Ericeira, onde Jacinto do Prado Coelho discorda, com argúcia e alguma ironia, da perspectiva de Eduardo Lourenço. Desta missiva não houve, tanto quanto Ler Eduardo Lourenço saiba, outros ecos públicos. Mas a verdade é que, quando, já nos anos Oitenta, Eduardo Lourenço vier a incluir “Kierkegaard e Pessoa ou a comunicação indirecta” no magnífico Fernando, Rei da Nossa Baviera, o texto aparece largamente modificado, o que talvez permita concluir que a argumentação do autor de Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa foi, pelo menos em parte, acolhida favoravelmente pelo seu amigo e interlocutor.
Do que não restam dúvidas é que quer Jacinto do Prado Coelho, quer Eduardo Lourenço, cada um a seu modo, contribuíram ambos decisivamente para uma melhor compreensão do infinito mundo pessoano. Ou melhor, como diria talvez Eduardo Lourenço, para o reconhecimento de que, no limite, essa compreensão é uma tarefa simultaneamente infinita e impossível.