terça-feira, 26 de novembro de 2013

Evento em Curitiba

Ler Eduardo Lourenço defende, desde há muito tempo, que um dos maiores serviços que os amigos do pensamento de Eduardo Lourenço podem prestar à obra do ensaísta consiste em alargar o âmbito dos seus leitores. Tal passa por criar e pôr a circular mecanismos de divulgação do seu pensamento junto dos meios da comunicação social e das escolas. Mas passa também por apostar numa irradiação dos ensaios de Eduardo Lourenço para um público não-português. Enquanto não existir uma política coerente e sistemática de traduções dos livros de ensaísta para inglês, essa aposta será sempre limitada. Mas a verdade é que, no Brasil – onde o obstáculo da língua não existe – o conhecimento da obra e da importância de Eduardo Lourenço desde há muito são relevados. 
Manuel Bandeira
 A título de mero exemplo ou de curiosidade pouco citada, já em 1960, numa das várias reedições de uma sua muito curiosa obra pedagógica, o grande poeta e crítico literário Manuel Bandeira destacava a importância do ensaísta «nos domínios da crítica, já literária, já filosófica, já social», associando-o a nomes como «Abel Salazar, já falecido, José Bacelar, António Salgado Júnior, Rodrigues Lapa, Rebelo Gonçalves» e também «Augusto Saraiva, Hernâni Cidade, Agostinho da Silva» (Noções de História das Literaturas, Rio de Janeiro, Editora Fundo da Cultura, 1960, 5ª ed, p. 407). Mas, como é evidente, inúmeros outros exemplos poderiam ser fornecidos.
 



Não espanta por isso que se vá realizar na próxima semana, em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná, o colóquio Literatura, Identidade e Cultura nos noventa anos de Eduardo Lourenço. Trata-se de uma muito meritória iniciativa, sob a responsabilidade do Centro de Estudos Portugueses daquela Universidade, tendo na sua Comissão Organizadora os Professores António Augusto Nery, Marcelo Côrrea Sandmann e Patrícia da Silva Cardoso. O programa estende-se por dois dias e meio (de terça à tarde, dia 3, até quinta à tarde, dia 5) e oferece amplos motivos de interesse, quer em funções das aliciantes temáticas, quer em função dos numerosos oradores, a saber: Vilma Arêas, Antonio Augusto Nery, José Vanzell, Silvio Alves, Patrícia Cardoso, Marcella Lopes Guimarães, Marcelo Sandmann, Adriano Drummond, Edna Polese, Jaqueline Koehler, Luís Bueno, Fátima Bueno, Rogério Almeida, Rodrigo Xavier, Caio Gagliardi, Caroline Vargas, Andréa Trench, Marcelo Fran, Anamaria Filizola, Naira Nascimento e Luis Maffei.


No texto de apresentação do evento, pode ler-se o seguinte: «Há décadas uma referência para os que estudam a literatura portuguesa, Eduardo Lourenço é um crítico cuja importância registra-se no modo como articula elementos literários a outros, de caráter mais amplo, vinculados à história e à cultura portuguesas, para além das leituras argutas sobre os temas a que se dedica. Ponto alto de sua contribuição aos estudos lusófonos é O labirinto da saudade, livro exemplar das qualidades do crítico aqui apontadas, em que se observa o lugar privilegiado que ele dedica ao literário, promovendo seu deslocamento para o centro das atenções quando se trata de investigar o perfil identitário de uma coletividade. Trata-se de um movimento ousado, se considerar-se o modo como a literatura costuma ser abordada – e não apenas no âmbito da crítica em língua portuguesa: em paralelo aos grandes eventos de ordem política e social ou como elemento acessório, mero reflexo do mundo social. Eduardo Lourenço inverte a relação, colocando a produção literária como chave para a compreensão da vida nacional portuguesa, cultural e historicamente falando. Para lembrar os 90 anos de nascimento deste grande pensador e os 35 anos de publicação de O labirinto da saudade, o Centro de Estudos Portugueses da Universidade Federal do Paraná reunirá pesquisadores interessados em revisitar os temas consagrados por Lourenço num evento que abre espaço para a divulgação de estudos que tenham sua vasta obra como paradigma e/ou com ela dialoguem» (http://eventoeduardolourenco.blogspot.com.br/)
Na óbvia impossibilidade, devido à distância, de estar presente em Curitiba nestes três magníficos dias heterodoxos, o blog Ler Eduardo Lourenço deseja a todos os participantes um óptimo congresso. E anseia pela publicação do respectivo livro de actas.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Jacinto do Prado Coelho: mais do que um Prémio

A notícia, divulgada ontem, de que o Prémio Jacinto do Prado Coelho (uma iniciativa da Associação Portuguesa dos Críticos Literários) foi atribuído ao livro de Eduardo Lourenço Tempo da Música, Música de Tempo não pode deixar de encher de alegria todos os amigos do ensaísta e da sua obra. Dir-se-á que se trata apenas de mais um prémio que distingue um autor a quem não têm faltado, sobretudo nos últimos anos, inúmeras consagrações e homenagens. Esta ideia é, de certo modo, verdadeira. Mas também é exacto que o júri deste prémio, composto por Clara Rocha, Maria João Reynaud e Teresa Martins Marques, ao distinguir Tempo da Música, Música de Tempo, não se limitou a premiar Eduardo Lourenço. Como se sabe, este livro, editado no ano passado, colige uma série de anotações, até então inéditas, que o ensaísta foi fazendo ao longo de décadas. Esses apontamentos manuscritos foram identificados por João Nuno Alçada no espólio do ensaísta e, em seguida, minuciosamente editados por Barbara Aniello, daí resultando um volume luminoso e  singular que, sem a preciosa colaboração destes investigadores e amigos de Eduardo Lourenço, provavelmente nunca teria sido dado à estampa.

Jacinto do Prado Coelho

Este prémio reveste-se ainda de um significado especial, porque Jacinto do Prado Coelho constitui um dos principais interlocutores de Eduardo Lourenço ao longo dos anos, designadamente no que se refere às interpretações (que, muitas vezes, coincidiram apenas no reconhecimento da grandeza do poeta) que ambos fizeram de Fernando Pessoa. Relembre-se que Pessoa Revisitado constitui também, e em parte bastante significativa, um diálogo, rigoroso e nunca complacente, com a obra de Jacinto do Prado Coelho Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. De resto, Prado Coelho, em novas edições deste livro seminal (que, recorde-se, foi, entre nós, a primeira investigação universitária sobre Pessoa), irá retomar esse debate, respondendo explicitamente a algumas teses de Eduardo Lourenço.


Por outro lado, também na imprensa lisboeta a discussão viva (embora sempre amigável) entre os dois ocorreu. Assim, em 12 de Agosto de 1971, no “Suplemento Literário” do Diário de Lisboa Eduardo Lourenço publica o artigo “Kierkegaard e Pessoa ou a comunicação indirecta”, texto que vem datado do seguinte modo: Hamburgo, Montpellier (1954-56). Tratando-se, como de facto se trata, de uma desenvolvida leitura das teses de Jacinto do Prado Coelho, não espanta que, cerca de um mês depois, este responda a Eduardo Lourenço, desta vez no Suplemento “Cultura e Arte” de A Capital

É uma carta, redigida em 16 de Agosto na Ericeira, onde Jacinto do Prado Coelho discorda, com argúcia e alguma ironia, da perspectiva de Eduardo Lourenço. Desta missiva não houve, tanto quanto Ler Eduardo Lourenço saiba, outros ecos públicos. Mas a verdade é que, quando, já nos anos Oitenta, Eduardo Lourenço vier a incluir “Kierkegaard e Pessoa ou a comunicação indirecta” no magnífico Fernando, Rei da Nossa Baviera, o texto aparece largamente modificado, o que talvez permita concluir que a argumentação do autor de Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa foi, pelo menos em parte, acolhida favoravelmente pelo seu amigo e interlocutor.
Do que não restam dúvidas é que quer Jacinto do Prado Coelho, quer Eduardo Lourenço, cada um a seu modo, contribuíram ambos decisivamente para uma melhor compreensão do infinito mundo pessoano. Ou melhor, como diria talvez Eduardo Lourenço, para o reconhecimento de que, no limite, essa compreensão é uma tarefa simultaneamente infinita e impossível.