sexta-feira, 27 de julho de 2012

Boas Férias!



Ler Eduardo Lourenço, tal como no ano passado, vai a banhos neste tempo de férias, com a promessa de regressar na segunda quinzena de Setembro. Cansado, mas ao mesmo tempo satisfeito, porque acaba de chegar às suas mãos a segunda edição de Heterodoxias. Em rigor, trata-se mesmo de uma nova edição (e não de uma mera reimpressão), pois relativamente à primeira foram eliminadas algumas - muito poucas, felizmente! - arreliadoras gralhas. Mas sem dúvida que a razão principal da alegria de Ler Eduardo Lourenço reside no facto de, doravante, os leitores menos atentos poderem pedir nas livrarias o volume inicial das Obras Completas. A edição original teve uma tiragem de mil exemplares, tal como a segunda que aparece oficialmente em Maio de 2012, ou seja, seis meses depois da primeira. É sem dúvida um  indiscutível sucesso editorial, numa época tão difícil para o mercado dos livros. Curiosamente a primeira edição de O Labirinto da Saudade demorou bastante mais tempo a esgotar-se, como os mais antigos visitantes deste blog sabem, dado que ao assunto já foi dedicado o mais popular de todos os posts de Ler Eduardo Lourenço, publicado em Março de 2011. Num total de 24 411 visitas a Ler Eduardo Lourenço, o texto “5 cartas de Snu Abecassis ou para uma genealogia do Labirinto” foi visto por setecentas e cinquenta duas vezes. 
Boas Férias na companhia da sempre renovada obra de Eduardo Lourenço!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Negativo do Poético

Quem procurar na bibliografia activa de Eduardo Lourenço, felizmente em constante actualização e disponível em www.eduardolourenco.uevora.pt, um texto com o título “O Negativo do Poético” terá de confessar o seu desapontamento, pois essa busca terá sido em vão. No entanto, “O Negativo do Poético” foi o nome original de um ensaio que, muitos anos depois, Eduardo Lourenço viria a incluir em Tempo e Poesia.

Ora, está nesta altura a ser preparado, com a coordenação a cargo de Carlos Mendes de Sousa, o segundo volume das Obras Completas e cuja tábua de matérias se desenha justamente em torno do livro Tempo e Poesia, publicado pela primeira vez em 1974, mas que reúne também ensaios bastante mais antigos como, por exemplo, “Esfinge ou a poesia”, (Árvore. Folhas de Poesia, nº 1, Lisboa, Outono de 1951, pp. 5-9). Entre esses textos dispersos e inéditos merece hoje a atenção de Ler Eduardo Lourenço “O irrealismo poético ou a poesia como mito”  que foi dado pela primeira vez à estampa em Europa (nº 3, Março de 1957, pp. 1-2). O jornal Europa, dirigido por Urbano Tavares Rodrigues e Virgílio Pereira teve uma curta existência, mas nele é possível encontrar valiosos escritos. É o caso, sem dúvida, deste “O irrealismo poético ou a poesia como mito”.
 imagem recolhida em www.frenesilivros.blogspot.pt



Consultando alguns manuscritos do espólio de Eduardo Lourenço, é possível registar que não só “O Negativo do Poético” foi o primeiro nome deste ensaio, como o seu primeiro parágrafo foi, pelo menos, três vezes reescrito, como se pode ver pelas imagens que a seguir se reproduzem. É, por exemplo, relevante que a epígrafe com uma citação de Heidegger tenha caído na versão publicada, ao passo que a de Pascoaes tenha permanecido. Ler Eduardo Lourenço considera, no entanto, que nem por isso a presença do filósofo de Sein und Zeit é menos determinante em toda abordagem que o ensaísta português faz do texto poético. Mas isso poderá ser melhor discutido daqui a alguns meses. Por agora fica apenas a curiosidade de se observar o modo como este magnífico ensaio se foi construindo.

A 1ª versão

 A 2ª versão

 A 3ª versão



quinta-feira, 12 de julho de 2012

Europa, unde venis?

Não são fáceis de compreender os tempos que correm. Em Portugal, na Europa e no Mundo. Também por isso, a palavra de Eduardo Lourenço se revela tão necessária e urgente. É o caso do ensaio que, com chamada de primeira página, os leitores do (cada vez mais magro?) jornal Público podem hoje ler. Na capa, anuncia-se: “Eduardo Lourenço escreve sobre o futuro da Europa”. O que, não sendo inteiramente falso, não é ainda assim absolutamente verdadeiro.
O título do artigo, “Quod vadis, Europa?” (p. 47), é, de certo modo, ambíguo e nessa ambiguidade radicará talvez a equívoca ideia de que o assunto é realmente o porvir do Velho Continente. O último parágrafo (de resto, magnífico) é, por si só, esclarecedor de que o que está em jogo é, de facto, outra coisa. Senão, leia-se: «Se calhar a Europa não precisava – nem precisa – de ir para lado nenhum, nem ter um outro estatuto histórico, político, ideológico e pleonasticamente cultural mais adequado do que o da sua multíplice realidade que foi sempre o seu. aqui se forjou o mundo moderno. E a modernidade do mundo. Lembremo-nos disso. Não precisamos que ninguém nos salve. Precisamos de nos salvar nós mesmos. Já não é pouco. Não estamos à venda».
Ler Eduardo Lourenço admite que “Quod vadis, Europa?” não é porventura o texto mais esperançoso de um ensaísta que tem vindo a dedicar, nas últimas décadas, muita da sua atenção ao que costuma chamar o destino europeu. Ao afirmar que «talvez tenha sido um sonho mal sonhado desejar uma Europa “unida” tão outra daquilo que durante séculos foi e maravilhosamente o é ainda», Eduardo Lourenço como que regressa ao passado destas «“nações”vizinhas e inimigas». O ensaio de hoje talvez responda, por isso, a uma outra (e não menos decisiva) questão: Europa, unde venis? O que é, afinal, uma nova maneira de dizer que, à Europa dos tempos confusos e atribulados que são os nossos, falta sobretudo que ela seja Europa. Mas o leitor ainda vai com certeza a tempo de ir até a uma banca de jornais perto de si.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Negócios & reinos (pouco) heterodoxos

Ler Eduardo Lourenço admite a sua fraqueza semanal. Começa o seu weekend com a prazenteira leitura do suplemento homónimo do Jornal de Negócios. Fá-lo, aliás, respeitando os preceitos actuais de poupança e, quase envergonhado, confessa que retira o seu exemplar gratuito de uma banca estrategicamente situada numa esquina sombria dos corredores da Universidade. Sente-se quase economista, nessas alturas em que finge ler, com preocupação científica, que os Cortes nos salários vão ser para todos. Acomoda-se, por fim, numa esplanada e, enquanto espera que o café arrefeça, assalta o suplemento de fim de semana quase sempre com proveito. Hoje, não conseguiu evitar a leitura do texto de António Rego Chaves com o estranho título de No reino da heterodoxia, uma página inteira dedicada não, como seria eventualmente de esperar, ao pensamento de Eduardo Lourenço, mas, sim, a um livro (publicado em... 2008!) de Miguel Real. O artigo que, de resto, está também disponível em formato electrónico (https://sites.google.com/site/incensuraveisrecentes/miguel-real-eduardo-lourenco-e-a-cultura-portuguesa), merece talvez algumas considerações.
Em primeiro lugar, não estará o articulista contaminado pela maleita do que ele mesmo chama «jovens ensaístas encandeados pelo anacronismo histórico»? Não se trata de dizer que um livro como Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa, mais de quatro anos após a sua edição, tenha esgotado todo o seu poder interpelativo. Pelo contrário. Apesar da sua larga consagração pública (recorde-se que ao livro foi atribuído o Prémio Jacinto do Prado Coelho, da Associação Portuguesa de Críticos Literários) muitas das suas teses talvez não tenham merecido a discussão que, quer a sua originalidade, quer a sua acutilância, exigiriam. O anacronismo deste No reino da heterodoxia poderia, por isso, ser apenas aparente, caso nos ativéssemos somente à data do livro recenseado. Tanto mais que, na página seguinte, Fernando Sobral faz a crítica de quatro (!) obras de ficção, todas elas dadas à estampa em ... 2012! No poupar é que está o ganho.

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Um importante livro editado em ... 2008!


Mas o assunto é o artigo No reino da heterodoxia”. Este lapso temporal, semelhante ao de um ciclo olímpico, poderia ter dado ao recenseador a oportunidade de reflectir e questionar – ou até de ajudar a encontrar melhores alicerces para elas – as hipóteses de leituras avançadas por Miguel Real. Infelizmente não o faz. Dois exemplos, apenas.

1. «Salienta Miguel Real que “a principal característica do pensamento de Eduardo Lourenço, a partir da segunda metade da década de 1950, reside, pela negativa, no abandono dos estudos filosóficos de carácter académico, enquanto especialização universitária e, pela positiva, no empenhamento estético-cultural que rodeia a sua actividade como pensador que assume a história da literatura portuguesa como principal fonte de inspiração. Já em 1951, aliás, se demarcara daqueles a quem chamou “os racionalizadores, os ordenadores da coerência sintáctica, os cientistas da abstracção sem a carne e o sangue da história e do sofrimento do homem (…) neste nosso século em que a razão professoral invadiu o homem. Uma frase diz quase tudo: “A questão [Fernando] ‘Pessoa’ é, para Eduardo Lourenço, do domínio ontológico e para a Universidade do domínio literário. Segundo o autor, a consciência de uma “ínsita irrealidade do mundo, adquirida no profundo encontro com a poesia de Orpheu (“a experiência mais radical de quantas a história da nossa poesia dá conta) levá-lo-á a encarar a Poesia como “uma realidade absoluta, cujo estatuto substitui hoje, na consciência dos povos, o conteúdo das tradicionais mitologias e religiões europeias» [António Rego Chaves, No reino da heterodoxia”, Suplemento Weekend de Jornal de Negócios, 6/VII/2012, p. 20] .

Esta tese de Miguel Real afigura-se, no mínimo, discutível. É que convém recordar que o segundo volume de Heterodoxia, publicado em 1967 (embora com textos escritos anteriormente), inclui ensaios sobre o existencialismo, Kierkegaard, Camus, pelo que talvez seja demasiado ousado defender a ideia de que «a partir da segunda metade da década de 1950» se possa falar, no caso de Eduardo Lourenço de um «abandono dos estudos filosóficos de carácter académico». Ora, António Rego Chaves aceita esta interpretação de Miguel Real. E, registe-se, está no seu pleníssimo direito. Mas é curioso que, no artigo, se omita por completo que entretanto (em 2011, mais precisamente) Eduardo Lourenço editou Heterodoxias, o primeiro volume das suas Obras Completas que, como se sabe, reúne ensaios (escritos desde 1945 até 2010!) que, sem grande risco de equívoco, se podem considerar textos filosóficos. Miguel Real em 2008 não o poderia adivinhar, claro. Mas será esse o caso do seu anacrónico recenseador quatro anos volvidos?

2. «Adverte Miguel Real: “O nosso ensaio debruça-se exclusivamente sobre as duas primeiras fases da heterodoxia: 1.ª fase: heterodoxia aplicada à identidade cultural de Portugal: 1949-1978; 2.ª fase: heterodoxia aplicada à identidade cultural da Europa: 1980-1997. A 3.ª fase, a heterodoxia aplicada à cultura americana, será por nós objecto de um estudo a publicar com o título ‘O Último Eduardo Lourenço’.” Estamos à espera.» [António Rego Chaves, ibidem].

Ler Eduardo Lourenço confessa que a expressão heterodoxia aplicada lhe parece ser, por si só, bastante enigmática. Os seus supostos objectos de aplicação não o são menos. Mas seria especialmente estimulante que António Rego Chaves esclarecesse o que significa tão definitiva advertência. Ora, tal não sucede. Ler Eduardo Lourenço promete que, também ele, continuará à espera. Talvez num dos próximos weekends o mistério seja desvendado. E, ao contrário do que sucedeu no caso dos cortes dos salários, ter esperança não parece ser inconstitucional.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

António Marques

 António Marques
(foto http://www.ifl.pt)

No mais recente número da revista Colóquio-Letras encontrou Ler Eduardo Lourenço aquela que talvez seja, até agora, a mais completa recensão crítica publicada do primeiro volume das Obras Completas do ensaísta. De facto, António Marques analisa, ao longo de quatro densas páginas cheias de minúcia e rigor, as teses principais de Heterodoxias. Nada isto pode surpreender, no fim de contas. António Marques é, como se sabe, Professor Catedrático do departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e director do Instituto de Filosofia da Linguagem. É, para além disso, autor de variadíssimas obras de referência sobre filósofos como Kant, Nietzsche e Wittgenstein.Ora, o que talvez seja menos conhecido é a dimensão da sua actividade que o coloca, sem dúvida, como um dos mais atentos leitores de Eduardo Lourenço. Por outras palavras, o artigo “Eduardo Lourenço: antiniilismo e radicalidade” talvez ganhe em ser lido interpretado juntamente com dois outros escritos de António Marques. Por um lado, o já longínquo texto, dado à estampa no Diário de Notícias de 22 de Fevereiro de ... 1979(!!!), com o título “Psicanálise mítica e autognose”. Por outro, duas páginas do estudo “Autolegitimação e Autonomia. A Filosofia em Portugal desde finais dos anos sessenta até aos nossos dias”, incluído na injustamente esquecida obra, coordenada por Fernando PernesPanorama da cultura portuguesa (Porto, Afrontamento, 2002). Ler Eduardo Lourenço não garante que sejam apenas estes os textos que António Marques dedicou ao pensamento do autor de O Labirinto da Saudade, nem é isso decerto o mais relevante. O que importa sublinhar talvez seja outra coisa. Por exemplo, o seguinte: que António Marques é um dos (ainda?) raros olhares filosóficos que, do ponto de vista da universidade portuguesa, tem ousad debruçar-se sobre o pensamento de Eduardo Lourenço. Não é, evidentemente, o único. Mas é, com certeza, um dos mais significativos e estimulantes.


Assim, em “Psicanálise mítica e autognose”, António Marques analisa criticamente o texto “Contra o Previsível Post-Scriptum” que Eduardo Lourenço escreveu na sequência imediata da publicação do Labirinto. Fá-lo dizendo que a explicitação dos pressupostos metodológicos e epistemológicos que, no referido ensaio, Eduardo Lourenço faz do programa do seu título mais famoso se, por um lado, hipotecam o projecto de uma autognose cultural, precisamente porque tornam inviável o propósito de desocultarmos a nossa verdadeira imagem, por outro, são um convite para que a questão mereça e seja aprofundada. Daí a conclusão com que António Marques encerra o seu artigo: «Pela importância do tema e a inteligência do ensaísta, vale a pena estarmos atentos».
Em “Autolegitimação e Autonomia. A Filosofia em Portugal desde finais dos anos sessenta até aos nossos dias”, a aproximação de António Marques ao ensaísmo de Eduardo Lourenço faz-se enquadrando este no que aí se designa por uma filosofia da estética, da qual seriam também companheiros de viagem José Gil e Maria Filomena Molder. Não espanta, por isso, que António Marques considere a poesia de Pessoa como «a obra por excelência (...) [do] mitológico-ficcional que autenticamente interessa» a Eduardo Lourenço para quem «as obras literárias» não são, a bem dizer, um mero «material de estudo».
Em suma, precisamente porque discutíveis (no sentido preciso do termo, ou seja, porque merecem ser discutidas), as leituras que António Marques faz do autor de Heterodoxias revelam uma atenção e uma acuidade que fazem delas ocasiões de grande proveito filosófico. Não foge à regra “Eduardo Lourenço: antiniilismo e radicalidade”, cuja leitura reforça a impressão de que, ao seu autor, se devem   algumas das leituras mais filosoficamente estimulantes  daquele que o próprio António Marques considera ser o «mais universal filósofo português» (p. 165).