sexta-feira, 27 de abril de 2012

Coimbra, Tempo de Velhos Conhecidos

Foto Ler Eduardo Lourenço

Ler Eduardo Lourenço testemunha por imagens um dia inesquecível passado ontem em Coimbra. Depois do colóquio no renovado Edifício das Caldeiras, que teve como um dos seus momentos mais altos a leitura de um extraordinário texto da Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, os participantes pararam num restaurante académico para almoçar. É realmente uma honra e sobretudo um prazer ouvir estes dois Grandes Amigos e Condiscípulos a pensar em voz alta.
Foto Ler Eduardo Lourenço

Convidada a apresentar o documentário Regresso sem Fim - Com Eduardo Lourenço, realizado com Mestria por Anabela Saint-Maurice, a notável escritora Hélia Correia (que, como se sabe, é uma das partcipantes no filme) fê-lo de um modo luminoso e mágico. Ei-la aqui, na companhia do seu Amigo Eduardo Lourenço, durante um singularíssimo passeio pelas ruas da Alta de Coimbra.
Foto Ler Eduardo Lourenço

E, por fim,  o Professor voltou a ser Estudante... Mia Couto, biólogo, escritor, moçambicano, deu uma aula aberta, com o título provocador Indisciplina Científica, no Instituto Botânico da Universidade de Coimbra e Eduardo Lourenço fez questão de assistir. Foi outro acontecimento que maravilhou todos aqueles que tiveram oportunidade de assistir. No fim da sessão, após Mia Couto ter agradecido a Eduardo Lourenço, com sincera emoção, a epígrafe que este, quase por acaso, lhe ofereceu para o seu livro A Varanda do Frangipani, o ensaísta, especialmente sensibilizado pela peculiaríssima aula a que teve direito neste regresso à sua Universidade, sintetizou a sessão com uma das suas fórmulas certeiras: «Depois desta aula de Mia Couto, que, para além de biólogo e escritor, é antes de mais um extraordinário ser humano, sinto-me como se estivesse acabado de ouvir, ao mesmo tempo, Lévi-Strauss e São Francisco de Assis!».

Coimbra ou o Tempo do Conhecimento










sexta-feira, 20 de abril de 2012

Volta Beirã

Ler Eduardo Lourenço já por diversas vezes se referiu ao desvelo e à dedicação com que o Centro de Estudos Ibéricos(CEI) trata personalidade e à obra do ensaísta. Nada mais justo, aliás, porque Eduardo Lourenço esteve, como é sabido, na origem do CEI. As iniciativas sucedem-se e a criatividade e a persistência dos Amigos da Guarda parece não ter fim. Seria fastidioso evocar aqui todas as actividades e edições que o CEI tem promovido, com a sua reconhecida chancela de qualidade, ao longo dos últimos anos. O trabalho, tutelado institucionalmente pela autarquia egitanense e pelas Universidades de Coimbra e de Salamanca e levado a cabo por pessoas como o Dr.Virgílio Bento (Vereador da Câmara Municipal da Guarda), Dr. Rui Jacinto (Comissão Executiva) e da tão simpática como eficiente Drª. Alexandra Isidro (Coordenadora Local), é por demais conhecido dos visitantes mais atentos deste blog.
Eduardo Lourenço, o (e)terno olhar é uma espécie de volta beirã, a realizar na próxima semana, com paragens em Coimbra e na Guarda, tendo como pretexto a atribuição do Prémio Eduardo Lourenço ao escritor Mia Couto. Mas, como se pode ver a seguir, a programação é bem mais vasta e diversificada. E, arrisca Ler Eduardo Lourenço, rigorosamente a não perder.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Do Brasil

Por mais que faça, [André] Gide só cria tipos imorais e não amorais. Jorge Amado, afundando-os no crime, conserva-lhes uma pureza estranha [pois] até esses cabras e terríveis coronéis têm a sua intimidade, as suas decepções amorosas de homens comuns (1945).
Quando vim para o Brasil a cultura era apenas livresca, isto é, feita através de leituras e como toda a minha geração – e já vinha um pouco da geração anterior – estávamos a par do que naquela altura era novidade: o impacto (…) da literatura (…) brasileira (…): pertenço a uma geração para a qual Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz eram presenças muito vivas no contexto cultural português. Era uma novidade pois era uma literatura diferente da que, naquela altura, se fazia na Europa (…). (…) Quando cheguei [à Bahia] (…) comecei a achar que o Jorge Amado tinha sobretudo um ouvido absoluto … ele captava instintivamente aquele falar da Bahia e aqueles seus personagens já me pareciam menos extraordinários do que antes, porque, de facto, os seus personagens andavam na rua (…). Vim ali encontrar, ao fim de um ano, os personagens reais dos romances de Jorge Amado (2000).

O Brasil é um país para quem Portugal é um ponto vago num mapa maior chamado Europa, ou vaga reminiscência escolar do sítio donde há séculos chegou um certo Álvares Cabral (1999).

 foto Ler Eduardo Lourenço

Uma comunidade linguística não é um casaco que possa esquecer-se em qualquer canto, é uma pele comum queimada aqui e ali por sóis diferentes (1954).
 foto Ler Eduardo Lourenço

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sobrerealismo? Sobrerrealismo? Pirismo cultural?

O curiosíssimo quadro Os Críticos é apenas um dos múltiplos motivos que justificam uma visita à magnífica exposição retrospectiva de Nikias Skapinakis, patente por estes dias no Museu Berardo (Centro Cultural de Belém). Quem são os críticos sentados à mesa do café A Brasileira? Da esquerda para a direita, reconhecem-se Rui Mário Gonçalves, Francisco Bronze, Fernando Pernes e ... José-Augusto França. Já aqui se falou, há alguns meses, da amizade entre este último e Eduardo Lourenço de que a correspondência epistolar (naturalmente ainda inédita) será, com certeza, um impressionante testemunho. Esta ideia funda-se também nas cartas que ambos trocaram com um amigo comum, Jorge de Sena, e que se encontram reunidas em dois volumes editados pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Em 1991, apareceu a Correspondência Eduardo Lourenço/Jorge de Sena, que, não estando completa, foi enriquecida entretanto por novas cartas encontradas no Acervo Eduardo Lourenço, tal como aqui foi devidamente assinalado. Dezasseis anos volvidos, um novo volume é dado à estampa, desta vez com as cartas trocadas entre Jorge de Sena e José-Augusto França. Neste livro, as referências a Eduardo Lourenço são, como seria de esperar, mais do que muitas, todas elas expressando o afecto e a admiração que ambos sentem pelo amigo de Vence. Contudo, na missiva enviada de Monfortinho aos dois dias de Outubro de 1956, França dá conta a Sena de um episódio que Ler Eduardo Lourenço a seguir transcreve:
«Viu V. no Comércio [do Porto] umas notas irritadas, minhas, sobre surrealismo, a propósito dum sujeito dos Vértices que despejara uma antipática lição de papagaio amestrado contra a coisa? E reparou que acuso de pirismo cultural, a talho de foice, os que dizem sobrerealismo? Pois na mesmíssima página, o Costa Barreto não teve a habilidade de meter um (excelente) artigo do [Eduardo] Lourenço sobre Sobrerealismo e Filosofia? Acabei por cair na gargalhada, escrevi logo para Montpellier (tinha estado dias antes com ele, em Lisboa) e mais um bilhete-postal público a ele dirigido, a sair na página» (Jorge de Sena; José-Augusto França, Correspondência, p. 154). Refira-se que Montpellier era onde Eduardo Lourenço vivia então.
De que artigo se trata afinal? Publicado inicialmente a 25 de Setembro desse ano de 1956, no suplemento literário do Comércio do Porto, o texto comenta (embora, como é costume em Eduardo Lourenço, não seja apenas um mero comentário) uma obra de Ferdinand Alquié intitulada justamente Philosophie du Surréalisme. Daí o título do texto aparecido no Comércio e que pode agora ser encontrado no primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço Heterodoxias.
Ora, este é um dos aspectos que provavelmente nem sempre tem merecido o destaque devido: o projecto da edição das Obras Completas, para além de dar a conhecer imenso material inédito (nunca é demais elogiar o trabalho de João Nuno Alçada neste domínio), está a recuperar um vastíssimo conjunto de ensaios que, não sendo originais, se encontravam há muito dispersos em publicações de difícil acesso ao leitor comum. É o caso deste Filosofia e Sobrerrealismo que, lido hoje, parece quase um texto novo. Registe-se, por fim,  que José-Augusto França, para além de inverter a ordem dos conceitos do título, omite um r em Sobrerrealismo. Será esta pequena nuance suficiente para ilibar o amigo da involuntária acusação de pirismo cultural? Talvez não, mas isso realmente pouco importa. O artigo (cuja versão original adiante se reproduz, com o necessário pedido de descuplas pela deficiente qualidade da imagem...) é, de facto, excelente. E desde há alguns meses que não há razões para os leitores interessados na obra de Eduardo Lourenço o não conhecerem.